Regulamento de Antologia de Literatura Fantástica ambientada no Portugal Rural
O RESTO É PAISAGEM!
Colaboração entre Luís Filipe Silva e a Editorial Divergência
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É certo e sabido que Portugal é Lisboa e o resto é paisagem!
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Que riqueza, população, indústria e institutos de saber se acotovelam no litoral, com o alívio de quem encontrou a saída do labirinto;
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Que investimentos e progresso medram na faixa atlântica, de costas viradas ao excesso de nenhures e surdos ao canto do pesado silêncio do abandono;
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Que há um inconfessado embaraço por aquele outro mar sem mergulho cujas ondas lentas e densas de pedra rochosa, se as tivéssemos navegado, jamais nos trariam a glória dos mundos dos Descobrimentos;
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Que os maiores perigos sempre vieram daquela fronteira sem muro, por vezes esquecida, outras comprometida, na qual estranhos nos espreitam.
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Mas é certo e também sabido que as aparências são como os icebergues – inofensivas à distância, fatais no embate:
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É impossível provar que já nada vive na aldeia;
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É sensatez ir precavido ao dobrar-se a esquina.
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A história de um lugar faz-se e mantém-se viva pelas gentes que o povoam, mas só enquanto o povoam:
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Pois a terra sem boca não conta o que presenciou;
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Os vales profundos esconderão enfim os derradeiros vestígios da raça humana;
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Os sobreiros ascenderão, viçosos e rijos, sobre a decomposição dos últimos a morrer;
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E o sol consumirá a cal das paredes, derrubará as telhas e secará as vigas do que tinham sido berçários e cozinhas e quartos de uma vida.
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Gravai assim em palavras as histórias do que não será de outro modo contado, as histórias que se escondem entre as linhas das histórias banais:
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De tempos que não foram e jamais chegarão a ser;
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De grandes feitos esquecidos que o desígnio político, a traição mundana ou um grande despeito divino quis enterrar;
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De gentes que são fantasmas para os fantasmas que ali não estão;
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De portas que só existem no reflexo dos espelhos e vielas nas quais se entra às arrecuas;
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De lugares onde é sempre dia e sempre noite e sempre nunca.
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Histórias que poderiam ser as vossas mas contadas por outros:
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Pois não tereis vivido estes dramas (que não vos largam);
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Nem rido com possíveis comédias, nem compartilhado o terror das vítimas;
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Histórias fugazes, quanto muito:
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que esvoaçam ao acordar,
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produtos de algo que dizeis (tolamente) ficção,
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como se fossem narrativas vossas, como se pudésseis imitar a voz da terra ansiosa por contar o que viu,
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aquilo que grita nos vossos dedos e arde na vossa vista amaldiçoada de escritores.
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Histórias que em nada são as das cidades:
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As cidades são ruidosas, caprichosas, parecem crianças!
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As cidades são tão convencidazinhas da sua importância!
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Como se fosse maldade (daquela pura e genuína e destilada que só o campo conhece e cala) o rol de brigas e tabefes entre os seus ocupantes.
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Tão ridículas, as cidades…
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Mas também não são lendas nem fados nem crendices
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(estas: meros engodos e jogos de sombras que tapam a verdadeira verdade)
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(estas: passadas de geração em geração, e neste passar, o nome que muda, a explicação que se omite, a desculpa que se inventa)
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(estas: não vos enganam com o óbvio, nem serão por vós escolhidas)
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(lembrai-vos: sois as fiéis testemunhas, conheceis o ardil debaixo da memória atrás do facto)
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(a história arde nos vossos dedos que, escravos, escrevem)
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(escrevem as histórias que julgáveis desconhecer e que agora ides descobrir, para nos contar)
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Entrar neste Portugal implica esvaziar o espírito, atravessar a barreira da compreensão, ir além do além:
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Desconfiar que no olhar manso do gado se esconde um mal antigo e inteligente à espera de chegar o dia;
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Descodificar a mensagem insistente, repetitiva e enlouquecedora, dos grilos quando cai a noite;
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Hesitar diante da cerca derrubada e aparentemente esquecida;
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Medir o comprimento real das horas e a duração dos dias, contra a leitura dos subversivos instrumentos do Homem;
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Lutar contra o torpor que vos fez esquecer o porquê da viagem, o local vosso destino, o rosto do vosso parceiro;
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Tentar sempre, e antes de tudo, partir – se possível.
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Estão acolá, no fim do horizonte, ora tapadas por uma colina, ora cobertas por uma nuvem, estas terras, estas histórias:
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Passam lentamente enquanto o carro dispara alucinado na autoestrada, querendo escapar a quem já o apanhou;
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Vivem no canto do vosso olhar;
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Alimentam-se do bater do vosso coração;
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Sufocaram as vozes que um dia se fizeram ouvir nas ruas, nos caminhos, entre casas e janelas, desta aldeola abandonada.
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Eis o Portugal que foi e que será – embora sonhe um sonho de modernidade alheio.
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O Portugal só vosso.
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Ireis contar-nos o que vistes?
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Em prosa, drama ou poesia narrativa;
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E em língua portuguesa, tal como falada neste século, ou num século que há-de vir, na voz dos anjos e dos cientistas e dos demónios;
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No intervalo entre 1000 a 10 000 palavras;
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Via éter electrónico num documento .rtf (rich text file), iludindo assim os fantasmas, que não usam Internet, para as moradas antologia@tecnofantasia.com e ed.divergencia@gmail.com;
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Cumprindo as normas de composição http://www.shunn.net/format/story.html para fugir a tentações de desleixo e manter puro o vosso texto;
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Até ao ultimo segundo do ultimo minuto do dia 18 de Fevereiro de 2018*, hora de Portugal continental, após o qual o próprio Tempo talvez recomece;
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Aceitando implícita e incondicionalmente as presentes normas de participação, as quais assinais a sangue, suor e seiva.
* Data de limite para o envio de submissões actualizada