Winepunk – Balanço do Lançamento

19 Fev 2019

Por Ana da Silveira Moura


Há cem anos, no dia 14 de Fevereiro de 1919, o que restava da Monarquia do Norte estava de luto. Na véspera tinham terminado três semanas loucas e inusitadas de uma guerra civil em Portugal, e, como ainda hoje acontece, tudo tinha sido diferente não só para tudo continuar igual mas para igualmente ser esquecido com a maior brevidade possível.

Mas a rebeldia, com razão ou sem ela, é um valor outlier absoluto com características muito próprias. Não só é um elemento estranho na normativa das coisas, costumes e gentes, como também é um elemento estranho que reaparece recorrentemente. Ser rebelde é ser-se humano, e ser rebelde com memória é ser-se humaníssimo. Cem anos depois, o Universo Winepunk parte da questão ‘E se…’ e descobre no que e ficcional muito do que não o foi.

Desenvolvendo uma cronologia de história alternada para um período de três anos, o Universo Winepunk faz com que a Monarquia do Norte não estivesse de luto no dia 14 de fevereiro de 1919 mas em plena Guerra feroz com a República Portuguesa do Sul. Esta Guerra que continuou numa dimensão histórica imaginada tem histórias fascinantes e o primeiro volume das mesmas foi apresentado ao público no dia 14 de fevereiro de 2019, no espaço do Ateneu Comercial do Porto.

Em nome do espaço anfitrião, Henrique Dória apresentou o painel e o interesse das diversas histórias, a verdadeira e a ficcional, sendo que nem sempre a fronteira e tao clara ou bem definida. Como comentou, acreditamos na história formal a que estamos habituados e que nem sempre é inclusiva de detalhes que poderiam tirar brilho a narrativa que é usual ouvirmos.

De seguida, falou Joana Neto-Lima, um dos membros da Invicta Imaginária, que criou e desenvolveu o conceito e projecto Winepunk, e que foi uma das várias pessoas do painel a dividir os agradecimentos devidos num projecto que implica tantos aspectos diferentes. Bem-disposta, criou um momento de humor ao questionar se não existiriam Repúblicanos camuflados na sala com propósito eventual de espionagem, ao que dois dos membros do painel, incluindo AMP Rodriguez, se assumiram como tal. Depois prosseguiu com um pequeno sumário de como tinha sido criado e desenvolvido o projecto e a equipa, salientando o trabalho do elemento da Invicta Imaginária ausente, o Rogério Ribeiro, no estabelecer duma cronologia que verdadeiramente fundisse historiografia e ficção especulativa.

Passou de seguida a palavra a Sandra Maria Teixeira, que estava em representação da vertente artística do projecto Winepunk. Responsável pelo design gráfico, paginação e capa, salientou que a base de partida tinha sido o trabalho desenvolvido pelo Rui Alex para as ilustrações originais do livro. Mantendo o tom de bom humor sempre presente na apresentação, não resistiu a comentar para o autor João Barreiros, ao seu lado, que o conto dele tinha sido o que lhe dera mais trabalho. Depois de alguns risos na sala, explicou que tal se devia a abundância de itálicos na narrativa e que o cuidado de se manter os mesmos era essencial para não destruir a voz do escritor, o tom que o mesmo pretendia e pelo qual se tinha tido, em todos os casos, um respeito absoluto.

O João Barreiros foi o interlocutor que se seguiu, que falou com a verve, humor e erudição especulativa a que já habituou a quem tenha assistido às suas intervenções públicas. Explicou um pouco do processo de escrita do seu conto, da dificuldade que sentiu inicialmente em encontrar uma solução científica pessoal para a tecnologia vínica, pois optou por não seguir a inclusa na cronologia, que recorre a uma nova estirpe de leveduras, as Saccharomyces monarchica, e resolveu recorrer a barquinhos pop-pop e a criação desmedida de monstros (mas monstros fofinhos, acrescentou sarcasticamente), dando o seu cunho pessoal ao Universo Winepunk.

A intervenção inicial do painel terminou com a AMP Rodriguez que, optando por não discutir os contos, para que o encanto de os descobrir se mantivesse presente e seja antes de mais de quem lerá a antologia, não resistiu a salientar que cada autor adicionou ou explorou aspectos distintos do universo Winepunk, indo para além da cronologia, sem a perder de vista.

Aberta a sessão de perguntas, a primeira questão manifestou a curiosidade de como uma equipa com simpatias em lados diferentes do conflito Monarquia versus República tinha conseguido funcionar em harmonia. AMP Rodriguez respondeu salientando que não há guerras puras e todos os lados do conflito, seja qual for, têm contas a prestar a partir de certa altura, mesmo que as razões de partida fossem válidas, algo que todos os membros da equipa tinham e tem noção, assim como também têm a noção que as diferenças de opinião nunca se sobrepõem à dignidade pessoal do adversário. Como tal, a diferença nas perspectivas fomentou o projecto e expandiu-o.

As questões continuaram, e sobretudo foi algo recorrente à maioria dos elementos do público assumirem-se como não leitores habituais da ficção científica ou especulativa, mas que consideravam que o projecto e o livro Winepunk apresentavam contornos que lhes despertavam curiosidade em conhecer mais. E provou-se que não eram palavras para apenas ficar bem, quando se seguiu uma longa fila para a sessão de autógrafos, com exemplares adquiridos in loco, sessão essa durante a qual se cantaram os parabéns a Sandra Maria Teixeira, cujo aniversário coincidiu com o dia do lançamento. Assim casou-se a celebração dos festejos pessoais da primeira designer Winepunk do mundo com o lançamento do primeiro volume antológico da mesma, celebração alegrada pelo Porto de Honra, a cargo de Henrique Dória, com o estimado líquido que propela toda a narrativa Winepunk e a tecnologia vínica.

 

Se não conseguiu ir ao lançamento, tem uma nova oportunidade de assistir à apresentação deste livro, na Fnac Alfragide, no dia 3 de Março, pelas 15 horas.