Antes da apresentação do livro “Filhos da Raia”, na FNAC do Oeiras Parque, trocámos umas impressões com o nosso autor Jorge Afonso.
Como nasceu o projecto de escrever o livro “Filhos da Raia”?
A minha família paterna é raiana, com uma forte ligação ao Planalto Mirandês (aos concelhos de Mogadouro e Miranda do Douro). Quando vim para Portugal, em meados dos anos 80, assentei arraiais na aldeia de Bemposta, coladinha ao Douro e a Espanha, de onde é natural o meu pai. O contrabando e a emigração tiveram um impacto muito forte na localidade e não faltam relatos de histórias incríveis vividas pelas arribas e pelo vale do Douro. Por outro lado, os meus pais “saltaram” a fronteira nos anos 60 e chegaram a França numa época em que o povo português fugia da miséria e da repressão. Penso que é um período da História de Portugal tão marcante como foram a fundação da nação, os Descobrimentos, a Guerra do Ultramar ou o fim da ditadura salazarista.
Como foi o processo de ver o livro publicado pela Trebaruna?
No nosso país, poucas são as editoras que apostam em novos autores e, quando o milagre acontece, estes são convidados a assumir todos os riscos financeiros. Não importa se o projeto tem ou não qualidade. Os autores são aliciados, hipnotizados com falsas promessas e muitos investem quantias avultadas para poderem ter os seus livros “esquecidos” nas estantes de uma livraria. Nunca fui por essa via pois sempre acreditei que se os meus livros fossem editados seria pelo valor literário em si e não pela soma paga. Depois de bater a muitas portas, o Pedro Cipriano e a Editorial Divergência deram-me um voto de confiança e apostaram em mim sem reservas nem contrapartidas. Sinto um enorme orgulho por os “Filhos da Raia” ser o primeiro livro lançado pela chancela Trebaruna.
Escrever é para si inspiração ou transpiração?
Direi que é quase um 50/50, com uma ligeira vantagem para a transpiração. Ainda só escrevi dois romances, mas cedo descobri que sem empenho, rigor e disciplina, de pouco serve a inspiração. Esta surge por vezes em catadupa, torrentes de ideias que é preciso saber domar, selecionar, lapidar e desenvolver. Escrever implica uma vontade férrea, uma disciplina militar, muitas horas de solidão em que nos perdemos nas ramificações da imaginação, guiados pela chama da inspiração.
Tendo nascido em França, nunca considerou a hipótese de escrever em francês?
Apesar de ser bilingue desde o berço, há mais de 30 anos que deixei de usar o francês no meu quotidiano (oralidade e escrita). Sinto-me muito mais confortável quando falo ou escrevo em português.
Houve alguma reacção ao livro “Filhos da Raia” que o tenha impressionado?
É tudo muito recente pois o livro foi lançado há pouco mais de 4 meses, mas aquilo que mais me marcou até agora foi o testemunho de uma leitora na apresentação em Paços de Ferreira. Essa senhora confidenciava-me então que, mais ou menos na mesma época em que decorre a narrativa, o pai se tinha lançado na aventura da emigração a salto na zona raiana do Sabugal (distrito da Guarda), tendo a França como destino final, e que, de forma inesperada e dramática, caíra nas garras dos carabineiros espanhóis. Ainda se lembrava de um serão à lareira, menina iluminada pela candeia, em que a mãe lhe contou que o pai estava preso em Espanha e que não sabia se algum dia regressaria a casa. Foi um momento arrepiante…
Falando agora das influências do Jorge Afonso, quais são os seus autores preferidos?
Pergunta difícil… Os livros do Dan Brown e do Ken Follet mexem comigo, assim como a Julia Navarro tem o poder de captar toda a minha atenção logo nas primeiras palavras. A nível nacional, julgo que o José Luís Peixoto nasceu com um dom divino. O amor que ele nutre pela sua terra natal em “Galveias” assemelha-se ao que eu sinto por Bemposta, a aldeia que me adotou quando vim de França. Penso que a sua humildade e honestidade são bem patentes nas narrativas que ele constrói. O Miguel Sousa Tavares é muito melhor escritor do que jornalista. Notável, mesmo. Delicio-me com os romances históricos do Domingos Amaral ou com a epopeia dolorosa que foi a Guerra do Ultramar com o António Brito (autor pouco conhecido e muito talentoso). Durante perto de uma década, o José Rodrigues dos Santos foi para mim a grande referência. Este “Dan Brown português” tem uma técnica e uma forma de hipnotizar o leitor que me encanta. Lembro-me de devorar o “Codex 632” ou “A vida num sopro” sem ser capaz de fechar o livro e esperar algumas horas para poder continuar. Simplesmente, viciante! O final de um capítulo altera o contexto de forma brusca, dramática e cria uma expectativa difícil de conter. E é precisamente esse tipo de emoções que procuro despertar nos meus leitores.
Tem um livro da sua vida? Qual?
“Os Meus Amores” de Trindade Coelho, um escritor do século XIX, nascido no concelho de Mogadouro. Devo tê-lo lido uma dezena de vezes! Nessa coletânea de contos rurais, o autor descreve como ninguém as paisagens transmontanas, a simplicidade do povo, as agruras, o isolamento, a interioridade, a saudade, a infância… É uma obra fantástica que me relembra constantemente de onde venho e até onde chegam as minhas raízes. Recomendo!
Está a escrever alguma coisa agora? Pode dar uma ideia do que é esse novo projecto?
Já comecei o terceiro romance há cerca de um ano e pouco. Infelizmente não estou a escrever à velocidade desejada, mas vou avançando com calma. Tenho as ideias e a narrativa esquematizadas na minha cabeça e alguns apontamentos preciosos recolhidos aqui e ali. Voltei a mergulhar nos anos 60 e num período conturbado da nossa História: a Guerra do Ultramar. Neste momento ando pelas matas do Norte de Angola, incorporado numa tropa de elite, esmagado pelo dever e pressionado pela Pátria. A não perder!
Quer deixar alguma mensagem aos seus leitores?
Captar a atenção de uma mão cheia de leitores e despertar nestes um misto de emoções fortes, já é para mim muito satisfatório. Um grande bem-haja a todos. Espero conversar com alguns no próximo evento que irá decorrer em março, na FNAC do Shopping Oeiras Parque.