[CONCURSO] Antologia de Fantasia Rural “O Resto é Paisagem!”

20 Jul 2017

Regulamento de Antologia de Literatura Fantástica ambientada no Portugal Rural

O RESTO É PAISAGEM!

Colaboração entre Luís Filipe Silva e a Editorial Divergência

  1. É certo e sabido que Portugal é Lisboa e o resto é paisagem!

    1. Que riqueza, população, indústria e institutos de saber se acotovelam no litoral, com o alívio de quem encontrou a saída do labirinto;

    2. Que investimentos e progresso medram na faixa atlântica, de costas viradas ao excesso de nenhures e surdos ao canto do pesado silêncio do abandono;

    3. Que há um inconfessado embaraço por aquele outro mar sem mergulho cujas ondas lentas e densas de pedra rochosa, se as tivéssemos navegado, jamais nos trariam a glória dos mundos dos Descobrimentos;

    4. Que os maiores perigos sempre vieram daquela fronteira sem muro, por vezes esquecida, outras comprometida, na qual estranhos nos espreitam.

  2. Mas é certo e também sabido que as aparências são como os icebergues – inofensivas à distância, fatais no embate:

    1. É impossível provar que já nada vive na aldeia;

    2. É sensatez ir precavido ao dobrar-se a esquina.

  3. A história de um lugar faz-se e mantém-se viva pelas gentes que o povoam, mas só enquanto o povoam:

    1. Pois a terra sem boca não conta o que presenciou;

    2. Os vales profundos esconderão enfim os derradeiros vestígios da raça humana;

    3. Os sobreiros ascenderão, viçosos e rijos, sobre a decomposição dos últimos a morrer;

    4. E o sol consumirá a cal das paredes, derrubará as telhas e secará as vigas do que tinham sido berçários e cozinhas e quartos de uma vida.

  4. Gravai assim em palavras as histórias do que não será de outro modo contado, as histórias que se escondem entre as linhas das histórias banais:

    1. De tempos que não foram e jamais chegarão a ser;

    2. De grandes feitos esquecidos que o desígnio político, a traição mundana ou um grande despeito divino quis enterrar;

    3. De gentes que são fantasmas para os fantasmas que ali não estão;

    4. De portas que só existem no reflexo dos espelhos e vielas nas quais se entra às arrecuas;

    5. De lugares onde é sempre dia e sempre noite e sempre nunca.

  5. Histórias que poderiam ser as vossas mas contadas por outros:

    1. Pois não tereis vivido estes dramas (que não vos largam);

    2. Nem rido com possíveis comédias, nem compartilhado o terror das vítimas;

    3. Histórias fugazes, quanto muito:

      1. que esvoaçam ao acordar,

      2. produtos de algo que dizeis (tolamente) ficção,

        1. como se fossem narrativas vossas, como se pudésseis imitar a voz da terra ansiosa por contar o que viu,

        2. aquilo que grita nos vossos dedos e arde na vossa vista amaldiçoada de escritores.

    4. Histórias que em nada são as das cidades:

      1. As cidades são ruidosas, caprichosas, parecem crianças!

      2. As cidades são tão convencidazinhas da sua importância!

      3. Como se fosse maldade (daquela pura e genuína e destilada que só o campo conhece e cala) o rol de brigas e tabefes entre os seus ocupantes.

      4. Tão ridículas, as cidades…

    5. Mas também não são lendas nem fados nem crendices

      1. (estas: meros engodos e jogos de sombras que tapam a verdadeira verdade)

      2. (estas: passadas de geração em geração, e neste passar, o nome que muda, a explicação que se omite, a desculpa que se inventa)

      3. (estas: não vos enganam com o óbvio, nem serão por vós escolhidas)

      4. (lembrai-vos: sois as fiéis testemunhas, conheceis o ardil debaixo da memória atrás do facto)

      5. (a história arde nos vossos dedos que, escravos, escrevem)

      6. (escrevem as histórias que julgáveis desconhecer e que agora ides descobrir, para nos contar)

  6. Entrar neste Portugal implica esvaziar o espírito, atravessar a barreira da compreensão, ir além do além:

    1. Desconfiar que no olhar manso do gado se esconde um mal antigo e inteligente à espera de chegar o dia;

    2. Descodificar a mensagem insistente, repetitiva e enlouquecedora, dos grilos quando cai a noite;

    3. Hesitar diante da cerca derrubada e aparentemente esquecida;

    4. Medir o comprimento real das horas e a duração dos dias, contra a leitura dos subversivos instrumentos do Homem;

    5. Lutar contra o torpor que vos fez esquecer o porquê da viagem, o local vosso destino, o rosto do vosso parceiro;

    6. Tentar sempre, e antes de tudo, partir – se possível.

  7. Estão acolá, no fim do horizonte, ora tapadas por uma colina, ora cobertas por uma nuvem, estas terras, estas histórias:

    1. Passam lentamente enquanto o carro dispara alucinado na autoestrada, querendo escapar a quem já o apanhou;

    2. Vivem no canto do vosso olhar;

    3. Alimentam-se do bater do vosso coração;

    4. Sufocaram as vozes que um dia se fizeram ouvir nas ruas, nos caminhos, entre casas e janelas, desta aldeola abandonada.

  8. Eis o Portugal que foi e que será – embora sonhe um sonho de modernidade alheio.

    1. O Portugal só vosso.

Ireis contar-nos o que vistes?

  • Em prosa, drama ou poesia narrativa;

  • E em língua portuguesa, tal como falada neste século, ou num século que há-de vir, na voz dos anjos e dos cientistas e dos demónios;

  • No intervalo entre 1000 a 10 000 palavras;

  • Via éter electrónico num documento .rtf (rich text file), iludindo assim os fantasmas, que não usam Internet, para as moradas antologia@tecnofantasia.com e ed.divergencia@gmail.com;

  • Cumprindo as normas de composição http://www.shunn.net/format/story.html para fugir a tentações de desleixo e manter puro o vosso texto;

  • Até ao ultimo segundo do ultimo minuto do dia 18 de Fevereiro de 2018*, hora de Portugal continental, após o qual o próprio Tempo talvez recomece;

  • Aceitando implícita e incondicionalmente as presentes normas de participação, as quais assinais a sangue, suor e seiva.

* Data de limite para o envio de submissões actualizada